(Extraido de https://aliancaevangelica.pt/site/2020/05/15/paciencia-de-job/)
Ao falar com alguém recentemente sobre como enfrentamos a adversidade na vida, a figura de Job e as variadas questões que o relato bíblico levantam vieram à tona. O povo português, com os seus muitos provérbios populares, refere-se geralmente a Job quando quer qualificar a paciência, ou a falta dela, de alguém. E talvez perante as situações inesperadas da vida, como as que têm resultado do surgimento do novo vírus COVID-19, possamos verbalizar o nosso sentimento comum, “É preciso ter paciência de Job.”
Paciência é talvez a atitude que, no mínimo, precisamos ter ao nos confrontarmos com os contratempos na vida, embora sejam precisas outras atitudes certamente. Essa atitude é geralmente definida como a “capacidade de suportar contrariedades, incómodos e dificuldades com calma e tranquilidade”. Ao pensar neste vocábulo, concluí que a maior parte das vezes associamo-lo a uma sensação positiva, quando na verdade ele tem em si mesmo uma dimensão de sofrimento; basta lembrarmo-nos do substantivo ‘paciente’ que se refere a alguém que padece/sofre.
Qualquer conversa sobre sofrimento não é geralmente apaziguadora, pois a tendência humana é fugir dessa experiência a todo o custo. E não querendo soar mórbida, é a mesma reacção que temos perante as questões da dor e da morte. Se é verdade que não conseguimos evitar uma grande parte das dores e sofrimentos que experimentamos, talvez seja possível – e eu acrescentaria crucial – termos uma perspectiva diferente perante elas.
Essa percepção diferente em enfrentar a adversidade na vida talvez precise passar pela verbalização das nossas tristezas com mais alguém. Há um provérbio sueco que diz, ‘Alegria partilhada é alegria dobrada; tristeza partilhada é tristeza dividida pela metade.’ Talvez essa partilha não possa ser feita com todas as pessoas, nem se tornar o nosso único tópico de conversa; mas é certamente uma forma de tirar para fora algo que precisa ter nome e abrir portas para apoio mútuo entre companheiros na jornada da vida. Surpreendentemente, ou talvez não, descobriremos que ao expressarmos a nossa vulnerabilidade sentimos um certo alívio e renovar de forças, como também ganhamos uma maior consciência de que o relacionamento fica fortalecido por essa confissão mútua de experiências.
A admissão e verbalização da vulnerabilidade dá espaço para que a vida emerja, e o amor se revele. Esta não é uma fórmula matemática no sentido de ‘se eu fizer isto, então resultará naquilo’. Contudo, julgo que temos constatado que a vida e o amor emergem muitas vezes em circunstâncias inesperadas. Já vimos certamente uma pequenina flor brotar através de uma racha no pavimento. Essa imagem é uma boa ilustração de que a vida é resiliente e desponta mesmo através das rachas da nossa dor, tristeza, fragilidade.
Para mim, pessoalmente, essa é a mensagem que a pessoa e a história de Job me comunicam. Não há a certeza de termos resposta para tudo na nossa vida, incluindo questões como a dor, sofrimento e morte. Contudo, quando admitimos e verbalizamos a nossa fragilidade, encontramos Aquele que nunca nos deixou, não nos deixa, nem deixará. Ele vai à nossa frente, acompanha-nos e segue atrás de nós, encorajando-nos. Esta não é ‘conversa fiada’ como costumamos dizer, mas é a experiência de muitos que têm colocado a Sua confiança em Deus e decidiram encarar a vida com os Seus olhos, mesmo no meio da adversidade. Um desses casos é o de Paulo que testemunhou, “Alegro-me, portanto, com as fraquezas, as injúrias, as privações, as perseguições e as angústias que passei por amor de Cristo. Pois quando me sinto fraco, então é que sou forte.” (2 Cor. 12:10, BPT09).
Num momento pessoal de particular dor e isolamento, as palavras de quem já tinha passado por doença, sofrimento e até morte, verbalizaram o meu sentir e me animaram com a certeza da companhia d’Aquele que me tem como filha amada. Deixo essas palavras aqui no desejo que elas possam igualmente trazer conforto e ânimo a quem delas precise:
“Ainda que eu ande por um vale escuro como a morte, não terei medo de nada. Pois tu, ó Senhor Deus, estás comigo; tu me proteges e me diriges.” (Salmo 23:4, NTLH)